Também deixo o link dos meus poemas em espanhol na revista espanhola Verso Destierro. Caso queiram, passem por lá. http://lobypoetico.blogspot.com/2010/03/seleccion-poetica-de-angel-cabeza.html ou www.versodestierro.com
Boa crônica.

Muitos ficarão com raiva depois desta crônica. Acredito que já nutram por mim uma certa aversão, inclusive, quando mudo o tom da voz e começo a dar pitaco na vida alheia. Outros simpatizarão com o comentário, despretensioso diga-se antes. Seja qual for a parcela de apoio não importa, abro e não nego. Sou desses que mostram o descontentamento e assumem riscos. E, além do mais, estava entalado na garganta faz vinte crônicas. Portanto, deixem para lá, encarem como um novo palpite e sigam a vida normalmente (ou com a pulga atrás da orelha).
Cansei das várias reformas que fomos obrigados a
engolir durante os séculos, aplicadas ou utópicas. Salarial, agrária,
educacional, religiosa, e demais que não passam de conversa e fazem com
que o atual segundo grau seja um trem fantasma para os que passam por
ele. Fosse somente ouvir, estaria feliz e satisfeito – tudo apenas no
passado, que não perturba, aporrinha um pouco talvez, mas no passado. Só
que a nossa civilização tem a mania de reciclar tudo aquilo que está
ultrapassado; dar uma cara nova para um velho conceito (essas ongs estão
fazendo algumas cabeças). E quando se trata de antiguidade, nada mais
sadio do que uma recauchutada, inclusive… na língua.
Sou de um tempo em que “vôo” possuía o chapeuzinho do
vovô, que agora ficou careca de vez; descendente de um século em que
letreiro de farmácia era grafado com PH, Pharmácia, o que proporcionava à
palavra um brio a mais, uma beleza de moldes gregos quando líamos
aquele PH enorme fazendo o papel do F, seu filho. Agora entramos na
geração das coisas saudáveis e recicláveis: alimentação balanceada,
yôga, meditação, e a tentativa de salvar o planeta reciclando papel,
cartão, plástico, consciência e… a escrita, que um dia foi belamente
grafada com PH, deu origem ao F e arrancou a peruca de voo.
Não fiquei satisfeito com a reforma ortográfica. Não
precisavam, novamente, meter a colher para remexer a salada. Para quem
não lembra ou sequer tem noção, explico. Nossa língua sofreu diversas
mutações para chegar ao que utilizamos atualmente. O primeiro texto em
português era uma mistura de espanhol,
português-mais-estranho-que-o-de-hoje e latim, segundo consta em alguns
estudos e circula na internet. Depois, para facilitar o aprendizado,
mudou-se tudo. Conseguimos uma comunicação impecável, formal, (mesmo
nossa língua derivando do Latim pronunciado erroneamente). Todos
praticamente intelectuais utilizando a língua mais complicada do mundo.
Mais tarde entraram na jogada algumas gírias, neologismos e
americanismos para ajudarem o time. Por fim, incluíram informalismos,
elipses, palavras advindas da era do computador e, agora, suprimiram e
mudaram alguns aspectos para reforçar ainda mais a salada. Certo, são
pequenas alterações, nada de mais. Alguns acentos, hifens, tônicas,
chapéus, coisas pequenas. Para um garotão isso não faz a menor
diferença. E para o cara aqui, que sequer sabe profundamente a velha
gramática, quanto mais a nova, como fica? Não lembro quando terminei meu
colegial, quem dirá se os ditongos abertos perderam seus acentos
(perderam) ou se as palavras K, W e Y passeiam pelo nosso alfabeto
formando nomes exóticos como Klemylson, Klemonyldo ou Kletsowaldo – se
alguém com prefixo Kle estiver lendo, minhas sinceras desculpas. Toda
vez que for redigir alguma coisa, além do dicionário de sinônimos, do
Houaiss e do Aurélio, portarei uma cartilha com os novos remendos
ortográficos. Muito cansativo.
Entenderia se quisessem se desfazer da crase. Ela é
uma das coisas que detesto na língua e só serve para gerar confusão,
como a própria raiz etimológica já descreve: crase vem do grego e
significa fusão (coloquem o “con” na frente). É somente para fundir a
cabeça do sujeito. Tanto faz escrever “Vou à Bolívia” ou “Vou a São
Paulo”. Estarei lá da mesma forma e todos saberão disso, com crase ou
não.
Acredito que existam coisas mais importantes para
serem recicladas, como, por exemplo, a caligrafia. Uma reforma
caligráfica cairia muita bem aqui no Brasil. Não que eu esteja
criticando a letra dos meus companheiros, pois tenho uns garranchos que
só Deus sabe. Refiro-me àqueles (olha a crase) malditos receituários
médicos que só fazem com que os doentes fiquem mais doentes ainda de
tanta raiva pela tentativa de lê-los. É necessário um curso de
egiptologia ou outro qualquer para decifrarmos os hieróglifos
medicinais. Cada um que dá medo. O sujeito está acabado, vai ao médico,
pega a receita e fica, juntamente com o cara do balcão, tentando
decifrar se o remédio é ou não o nome do paciente e se a data é a
referência da posologia ou a assinatura do médico. Se juntar tudo com a
reforma, acabou-se, o doente bate as botas. Deveria ser proibido
receituário em que rabiscos de crianças de dois anos fossem a última
esperança dos enfermos. No fim das contas todos acabam comprando os
remédios errados por culpa deles.
Como sei que meu pedido passará despercebido, e ainda
por cima arrancarão meu couro e proibirão minha entrada em qualquer
academia, continuo escrevendo da forma antiga, não com PH, mas com os
acentos, pontos, chapéus e tudo o mais que as palavras têm direito.
Espero também que meu médico não se zangue, mas é a
pura verdade. Se quiser, tenho uns caderninhos de caligrafia em casa,
bonitinhos, com peixinhos e carneirinhos. Pelo menos adiantaria para
alguma coisa, pois a reforma ortográfica nada fez, só complicou e me
deixou estressado. E preciso de uma receita para calmante sem
necessidade de fazer um curso de egiptologia ou algo parecido.