Quádruplo


Pintura de Renoir


Para abrir 2011, deixo-lhes três poemas do livro inédito "As coisas são as coisas" e uma crônica.




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Ser feio é ter inteligência

Está aí uma coisa interessante de se confabular numa mesa de bar no fim de semana: cultura. Não é necessário bebida nem nada, apenas alguns amigos com ideias tão loucas quanto as suas, papéis para anotar o essencial – o que é fácil, basta esconder os guardanapos do bar. Cansei de fazer isso sem ser notado – e mandar ver na lábia. Se colar, colou. Se não, é só pedir uma rodada de suco de laranja, caso seja adepto de não injetar álcool no sangue.

Assim foi meu fim de semana com alguns camaradas. Sentamos, olhamos todos uns para os outros e danamos a conversar sobre um monte de baboseira, porque bar é lugar de baboseira ou literatura. Se a conversa não servir para uma canção, poema, texto ou qualquer outra coisa cultural, baboseira será. E quem não me deixaria mentir seria Vinícius. Não duvido que muitas composições foram na base do porrinho, bom por sinal. A bebida tem suas vantagens. Eu prefiro a sobriedade. Se sóbrio já sou uma lástima, bêbado nem se fala.

Mas todos se entreolharam e começaram a falar pelos cotovelos. Eu que já não gosto muito dessas reuniões boêmias mas tenho que fazer o papel social de vez em quando fiquei calado. Depois de beberem algum tempo, tocaram no assunto de um texto meu sobre a beleza do feio. Quis ir embora, mas fui puxado pelo Cidão e ameaçado com um pedaço de aipim frito.

– E então, qual é aquela do feio ser bonito?
– Você sabe!
– Sei nada. Filosofa aí.
– Esquece, Cidão. E o carro? Já comprou?

Como sempre, na mesa de bar figura um amigo filósofo. Como essa roda não poderia fugir à regra, lá estava Flanela, que foi tirando suas conclusões sobre feiura e beleza.

– Sabe, Angel, tenho minhas conclusões. Ou o cara é feio e inteligente ou o cara é burro e bonito.

Todos se entreolharam com espanto. Quebrei o gelo.

– Acho que você está exagerando.
 – Que nada! É assim mesmo. Você não vê esses modelos? Todos esbeltos, magros como caveiras, e burros.
– Não é bem assim. Muitos possuem cultura e faculdade.
– E os escritores? A maioria se parece com o cão chupando limão, isso porque manga é doce.
– Flanela, não esquece que sou escritor.
– Mas você não é feio.
– Quer dizer que sou burro e escrevo mal?
– Não. Você escreve bem.
– Então sou feio?
– Você é pintoso. Serviria até para modelo.
– Modelo de como não se deve ser modelo. Tenho 1,72 de altura.
– Que nada! Você ta bem.
– Prefiro ficar no meio.
– Quem fica no meio é outra coisa.

Cidão aparece para complicar ainda mais minha vida, ameaçando-me, agora, com um pedaço de queijo coalho.

– Eu falei para você, não falei? Escrever sobre essas coisas não dá certo.
– E faço o quê? Sou escritor.
– Sei lá. Mas Flanela tem razão. O cara não pode ser lindo e intelectual. Cada lado tem um peso. E você ganha e perde ao mesmo tempo.
– E o que isso tem comigo?
– Porque você é feio e escreve. Se fosse galã, burro seria.
– Pelo menos um pouco de sinceridade. Mas não concordo. Não sou intelectual, muito menos galã.
– Concorda, sim! Todo feio é inteligente. É só olhar para a mesa. Inteligentes.
– Não quero magoar ninguém, Cidão, mas nem todos são grandes intelectuais.
– Intelectual é mais que feio; pediu para vir torto.
– Que isso? Você foi longe demais.
– Fui nada. Intelectual é um bicho totalmente fora da sociedade.
– Ta. E eu sou o quê?
– Feio.
– Você disse que eu era bonito Cidão.
– Ele tá bêbado. Você é feio e escreve. (Retruca Flanela).
– E sobre as mulheres que escrevem e são lindas? (Retruco eu). Clarisse era linda quando jovem. E posso pintar muitas outras se quiser.
– Mulher é assim mesmo.
– Assim mesmo?
– É exceção. Se burra, bonita é; se inteligente, bonita também é. Mulher nasceu para ser bonita e ponto final. Escrevendo, falando, sendo burra. Você mesmo disse e...
– Eu disse?
– Escrever, dizer, é tudo a mesma coisa.
– Não escrevi nada disso. O texto era sobre outra coisa.
– Dá no mesmo. E o National Gographic sempre mostra o motivo das coisas.
– Mas isso não passou no National.
– Mas agora que nós estamos falando vai passar. Quantas pessoas estariam num bar discutindo que burro é bonito e feio é inteligente? Tenho mais provas. Os caras da academia de letras, todos feios.
– Isso para você. Lá mora a cultura e...
– Bah! Feiura, isso sim. Quer entrar lá um dia?
– Quem me dera.
– Ta vendo. Feio que dá dó.
– Só porque escrevo?
– Sim. Se não escrevesse seria até bonitinho.

Pedi minha conta alegando estar compromissado com a patroa e tudo o mais. Cidão até que tentou me ameaçar com um pedaço de linguiça, mas não adiantou, a filosofia, pelo menos para mim, havia acabado.

Bar é assim mesmo, se não dá baboseira dá literatura. E bem que eles podem estar certos. Nunca vi escritores galãs.

Feio ou bonito, não importa. O bom mesmo é que tudo termina na folha do papel. Ou pelo menos no meio.

28 comentários:

Tatiana R. disse...

Como sempre deixa-me extasiada ao te ler. Os poemas são sensíveis e belos. Somente um grande poeta para nos apresentar uma obra dessas.

A crônica nem falo. Ri muito.

Beijos Tati.

Anônimo disse...

Angel, O mesmo digo eu...dei gargalhadas à beça (hummm..isso é antigo!) enfim, amei teu blog, a crônica.

Abç,
Lenir

Teresa Augusto Shanor disse...

Olá Angel Cabeza,

obrigada pelo convite para vir até o seu espaço.

Pois é...as pessoas perdem tanto tempo acumulando coisas, e quando percebem, estão perdidas no vazio das relações humanas.

E mesinha de bar além de descontrair, é uma nascente de muitas artes hoje tão famosas.

Um abraço.

Convido-o para visitar meu site:
www.alegriadeviver.net

naire valadares disse...

Com enorme prazer conheci seus escritos. Sem firulas, direto ao ponto. Muito bom mesmo. Aproveito para apresentá-lo ao Turbante, ao www.turbantedanaire.blogspot.com. Adorei tudo por aqui.
Beijo
Naire

Caca disse...

Angel, eu tenho que dizer que fico até um pouco mais burro quando você some por tanto tempo. Isso aqui é bom demais, meu caro! Abração. Paz e bem.

Camila de Souza disse...

Quando sai o "As coias são as coisas", Angel?
Fiquei doida pra ler. Se for como "Vidro de guardados" não vou ter como ficar mais faceira.

Adorei a crônica, ri junto aqui.

Um beijo!
Camila
ilimitada-mente.blogspot.com

L. Rafael Nolli disse...

Meu camarada, muito bonito o poema "as coisas são as coisas"! E fechou muito bem a crônica: e tudo termina na folha de papel!
Abraços!

Anônimo disse...

Gostei muito da crônica, meus parabéns. Não costumo frequentar bares, mas sei dessa fama de que nas mesas sempre há um bom papo ou o contrário. Ah, e como você, prefiro não me ver ébria, porque meu estado de sobriedade já me basta!

Abraços, até.

Mariany Carvalho
http://badu-laques.blogspot.com/

Mi Lôra disse...

ótimos poemas, amei... a crônica tem um quê de ironia e graça... parabéns. Mi Braun

O Neto do Herculano disse...

Viver, para mim,
é como um filme mudo
p&b
dos anos 2000.

Fátima Nascimento disse...

Mia Couto é feio ou bonito? rs

Gostei do seu blog. Meu abraço.

Nubia Teixeira disse...

Ah se eu tivesse um dom assim
ficaria rica com meus poemas

que felicidade em visitá-lo.

Beijos.

Kli disse...

Angel, tenho muitos anos a mais que você e tropeço numa frase dessas: o desapego é a faxina do corpo. Puxa vida. E eu que guardo tudo: fotos, papeis, até papelzinho de bala...
tempo de repensar.
O desapego também é a faxina da alma, acho.
Gostei muito de vir aqui.
Abço.

monica delázari disse...

Recebi um email falando do blog
passei pra conferir...gostei muito do primeiro que lí...poemas sobre as coisas..volto depois pra ler+

Batom e poesias disse...

Gostei dos poemas e adorei a crônica!

Você tem um estilo leve e engraçado.

Ser ameaçado com um queijo coalho é realmente assustador...

Bj
Rossana

Rêmulo Melo disse...

Ser belo ou não ser eis a questão.
Bom texto, irreverente, prosaico e diria até filósofoç
Não deixa de mandar as atualizações via a-mail.

Angel disse...

Ser ameaçado com um pedaçõ de liguiça é ainda pior.

Beijos.

Angel disse...

Kli, nós sempre guardamos coisas para depois. E sabe por que? Queremos que as lembranças sobrevivam ao tempo. Mas não entendemos que algumas devem partir.

Abraços do amigo.

Antonio Pereira disse...

"O desapego é a faxina do corpo".

"A nova religião: o ego".

Cara, você já nasceu clássico.

Adorei por aqui. Estarei mais vezes.

Abraços,
AP.

Flora Guerreira disse...

Angel, ótima crônica. Suave, lírica e engraçada. Preciso te ler mais.

Poemas divinos. Quando lanças o novo livro?

Beijos da flora.

Melinda Bauer disse...

Que o diga o grande Fabrício Carpinejar.......um mestre para falar de feiúra e beleza...de suas devidas perspectivas...é lógico.
Mas...meu...eu tenho uma tese...Os menos bonitos(feios) são inteligentes (mais elaborados) justamente porque precisaram enfrentar mais adversidades...(mais bala na agulha..sabe...)
Quando enfrentamos e aceitamos nossas feiúras...nos tornamos mais apetitosos...
abraço...
e´parabéns pelo blog

Virgínia do Carmo disse...

Claro que é impossível estabelecer uma relação directa entre inteligência e beleza... até porque definir beleza é só por si uma "trabalheira" infindável!

Gostei imenso dos poemas!
[já agora, penso que amamos tanto as coisas porque elas são um prolongamento das pessoas...]

Um abraço

Jorge Cascadura disse...

Olá, Angel!

Não sei como você me descobriu se até hoje eu mesmo não descobri quem sou. Mas isso não importa.

Gostei do seu trabalho. Você é muito jovem e, insistindo nesse caminho, tem tudo pra ganhar seu sustento do talento de escritor.

Eu discordo do seu ponto de vista de que as coisas são as coisas. Coisas guardadas por mim representam pessoas, momentos, amores, saudades. E o significado delas mudam com o tempo. Se, numa determinada época, uma pétala dentro de uma carta de amor representava uma confissão, um desejo, um laço, um chamamento, agora, 30 e tantos anos depois, amarelada, é metáfora do fim de minha juventude ou estopim que pode reacender uma velha paixão; ou o indício de um período em que os amantes esperavam dias por um "eu te amo" que vinha pelos Correios, ou isso, ou aquilo.

Amanhã, daqui a mais alguns anos, a mesma pétala talvez se mostre esfarelada, como a minha memória talvez esteja. Mesmo assim, a pétala guardada ainda terá sua força e seu sentido novo. Vai provar pra mim que, tudo aquilo que eu andava pensando que fosse um sonho ou caduquice, foi meu passado, minha vida real.

Guarde a sua história, Angel.

Grande abraço, meu caro.

Jorge Cascadura
www.jorgecascadura.blogspot.com

Angel Cabeza disse...

Jorge, gostei do elucidado por você. Isso é justamente o que chamo de aprisionar o tempo.

Mas no caso do poema o instinto de apego é mais forte que a lembrança. As pessoas se apegam as coisas sem se darem conta de que existe uma outra coisa perecendo: elas mesmas. Esse apego é o que pode definir uma vida de insatisfações, uma vez que não se abre espaço para nada que não seja "a coisa vislumbrada".

O poema é uma ode ao desapego para que as coisas materiais passem a ser apenas inanimadas. E a coisa homem, fictícia, que esvairá um dia, possa ser maior do que as outras.

Devemos valorizar mais nós mesmos. As lembranças devem apenas dar força e não tirar a força.

Gostei do teu discordar. E acrescento mais: eu escrevo para que todos façam o mesmo em algum ponto. Se alguém foi tocado ou rebateu, o poema já fez o seu papel – alterar a consciência.

Abraços do amigo.

Anônimo disse...

Gostei da crônica, Angel.
E do seu espaço também.
Vou ficar, ok ??

abraços

Sél disse...

Oi Angel...aqui estou ^^

Me diverti com esse texto "típico conversa de bar" rsrs
Dessas conversas que saem grandes verdades filosóficas hahaha...mt bom.
E ainda mais, sóbrio! \o/
Resistência vc tem.

Porque sóbrio...encarar aimpim, queijo coalho, linguiça e filosofia - só com mt resistência. hahaha

Eu acho q não sou seguidora do seu blog, por isso fiquei meio perdida no email.
Se ainda não sigo, vou resolver isso agora e já ^^

Abraços Angel, boa semana prá ti...vou passear pelo seu blog rsrs

Wallace Lima disse...

Passei aqui por acaso como um pedestre despercebido. Mas a beleza do horizonte fez com que eu parasse e visse o por do sol.

Angel, gostei dos poemas, sobretudo do lirismo e da forma como os desenha. São repletos de signos, lembranças. Não se apegam aos modismos das rimas, da intelectualidade das palavras. Fala tão bem, tão simples, mas tão complexo que não deixa a desejar.

Suas crônicas são excelentes. Subjetivas mas sem presunção. São como uma fala entre amigos.

Angel, se continuares assim serei obrigado a abrir um fã-clube.

Quando sai o novo livro?

Abraços.

Fanzine Episódio Cultural disse...

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