Os pés do caminho

Sapatos – Pintura de Van Gogh

DOIS POEMAS INÉDITOS

Brasserie

Entre uma xícara de café
um copo com suco
e alguns talheres
um origami de guardanapo sujo
reflete uma rosa dobrada.
Qualquer palavra seria vaga
e tola de se dividir à mesa.

Se você me pedir para falar de amor

A única língua que falo
é a do silêncio.
O amor não cobra metáforas para ser.


CRÔNICA


 O engraxate

Tio, vai uma graxa aí?
Não! Meu ônibus está chegando.
Mas essa graxa é um silicone incolor igual o da mistre cati.
Espera! É uma graxa ou silicone incolor?
Uma graxa-silicone-incolor.
Você não entendeu, graxa ou silicone?
É igual da mistre cati, uma...
Chega!
Vai?
Não! Meu ôni...
Mas é uma graxa igual...
Silicone, sim, já sei.
Tu já usou?
- Você acabou de explicar.
Então?
Não!
Mas ela, além de incolor, pode ser usada em qualquer sapato. Não mancha e tem garantia de dois dia.
Quê?
Isso mermo, dois dia.
Ta! Inventa outra.
Sou profiça.
Mas não quero.
É só colocar o pé aqui na minha caixa que...
Não quero!
Mas teu sapato ta muito sujo, esbagaçado.
Eu gosto de cultivá-los assim mesmo, sujos.
Mas pega mal na parada, ta ligado?
De sete de setembro?
Qualé?
Nada.
Então coloca o pé aqui que tu num vai se arrepender.
Quanto é?
Hum e cinqusudj
Quanto? Fala para fora.
Um e ciusudj enta.
Ta bom.
Pronto. Agora o otro.
Toma.
Pronto. Ficou bunito né?
Dá para o gasto.
Então?
O quê?
O dinheiro?
Ah! Toma.
Péraê! Só tem um e cinquenta?
Ué, não era isso?
Não! Eu disse onze e cinquenta.
Tudo isso?
Claro! Silicone igual ao da mistre...
Já sei. Mas por esse valor você tinha que engraxar até o meu cinto.
Aê, tá zuando?
Quê?
Tá me zuando?
Não! Imagina. Quero que você engraxe o meu cinto e a pulseira do meu relógio de quebra.
Passa a carteira!
Por este preço você engraxa a carteira também?
Mermão o tempo não tá pá brincadeira.
E o cinto, quanto custa?
Passa a carteira mermão! O bagulho é outro.
Calma! Vamos conversar.
Conversa nada. Anda!
Eu deixo você engraxar mais uma vez.
Passa logo!
Toma.
Coé?
Quê?
Tu não tem nada mermão!
Claro. A graxa levou tudo.
, eu sou profiça.
Estou vendo. E que roubo!
Tá falando que cobrei caro?
Não! Mas que você me roubou, isso sim.
, tu não tem nada pa robar.
Tenho sim, onze e cinquenta.
Foi pelo trabalho.
Trabalho nada. Picaretagem.
, se eu ti por aqui di novo a gente vai si esbarra.
Ta, mas da próxima vez usa um paninho, porque você disse que não mancharia e manchou. E, pela garantia, quero uma outra mão. Agora!
Ih, alá o cara.
E bem rápido, pois meu ônibus está chegando!


27 comentários:

Renata Amora disse...

Angel, mais uma atualização bela e simples.

Seus dois poemas são de um lirismo e confissão que az com que eu comece a pensar em dar valor as coisas pequenas, como uma conversa na mesa sobre o amor.

Suas metáforas cobram com certeza.

Sobre a crônica, o que dizer? Ri um bocado. Esses engraxates de hoje não querem nada com a hora do Brasil. Que furada!

Obrigado por fazer com que eu tenha um dia mais agradável. E lance logo esses livros ok?

Beijos,
Renata

José Antonio Braga Barros disse...

Um profiça... Foi prendendo-me a cada fala até o final. E como já falei a ilustração com grandes pinturas mostrou um cuidado muito especial de artista. Parabéns!Meu AMIGO on-line!

Fátima Nascimento disse...

Lembrei de um "papo" que tive com um flanelinha que recusou o dinheiro que dei pra ele por ter "vigiado" o meu carro, voluntariamente. E ainda falou pra eu não deixar mais o carro na área dele.

Meu abraço!

Eliana Rodrigues disse...

É incrível como os profissionais cometem um roubo literalmente.

Nunca mais aceito graxa ou graça de ninguém.

Que belos poemas.

Beijinhos.

sonho disse...

Obrigado pelo café:)
Adorei seus poemas...
Beijo d'anjo

Inês Laffab disse...

A começar pelo título, você é uma metáfora em pessoa.

Excelência em blog e poesia.

Beijos.

Humberto de Lima disse...

Bom trabalho! Parabéns pelo design e pelo conteúdo do blog. e quando quiser, seja bem vindo ao HumbertodeLima.com...

Ana Ribeiro disse...

O amor cobra mais...
Abraços poéticos.

Anônimo disse...

Gostei muito do blog, da crônica e dos poemas. Meus parabéns. :)
Voltarei mais vezes para um café.
Até!

Lua em Libra disse...

Belos poemas, seu Angel, belos poemas. Com a crônica, me diverti um bocado. Tem um guardador de carros em meu trabalho que costuma opinar sobre os meus cortes de cabelo, roupas, etc... com todo o respeito, é claro.
Abraços,

Canto da Boca disse...

Quantas figuras poéticas e românticas no poema 1ª, traze-nos possibilidades nunca dantes imaginadas. Ora que beleza de ressignificações materiais.

Humberto Rodrigues Rocha disse...

Que porra!
Lendo-te descubro que sou mais burro do que achava.

Icones precisos de riso e romantismo.

Poeta, cadê o livro?

Esther Alcântara disse...

Angel,
Obrigada pelo cafezinho poético tão bem servido!
E parabéns! Tudo muito lindo por aqui.

Beijinhos.

Anônimo disse...

Grande coisa os engraxates. Quero mesmo é fazer isso com os flanelinhas. Aí sim o negócio pega.
Cambada de desocupado.

Poemas de bom gosto e lirismo. Estou calado.

Batom e poesias disse...

Bom de prosa e de poesia.
É sempre um prazer vir aqui.

Abç

Rossana

Lilly Falcão disse...

Lendo e colecionando. Já já peço vênia pra estender os poemas no meu jardim... Obrigada pelo café!

Debora P. Ferreira disse...

rsrsrsr ri muito com a crõnica. O pior é que é uma verdade.

Seus poemas me deixaram com água na boca. Usarei a idéia do origami.

Beijos.

Debora

Caca disse...

Angel, confesso que sou um frequentador assíduo de blogs literários e o seu eu tenho a lamentar que você publique tão poucas vezes. Isso aqui é bom demais, meu caro! Abração. paz e bem.

Márcia Luz disse...

Me diverti com a crônica, mas os poemas... divinos! Parabéns!
Passa lá no meu blog.
Beijo

Sél disse...

Esse dilogo se "passa" no Rio de Janeiro? É Típico! rsrs
Não engraxo sapatos, mas aturo "flanelinhas"; devem ser da mesma irmandade dos "profiças" rsrs

Divertido a crônica do engraxate.
Abraços

Anônimo disse...

Cada vez que venho aqui fico mais inteligente

Gustavo disse...

Oi,

Prazer em ler o seu blog. Obrigado por mandar por email a nobre sugestão.

abç

Gustavo

Rodolfo Abrantes Nunes disse...

Ô engraxate safado. E seu pego um desse, engraxo a lingua.

Agora, os poemas... ah, os poemas.. me fizeram sonhar alto.

Bom estar por aqui.

Dalva M. Ferreira disse...

Quem rouba quem?

monica mosqueira disse...

Gostei! Gostei do que li em:

Se você me pedir para falar de amor

Regina Gaiotto disse...

Angel, dois poemas.
Dois momentos?
Brasserie parece ter nascido de uma grande invasão, um grande salto para dentro de onde se exibe o amor...
Do lado de fora, o engraxate que mostra o que vai por no íntimo das intenções.
Bom vir até aqui...

Elisa T. Campos disse...

poemas e crônica : amei visitar este espaço.