Diversos - Crônica, poemas e entrevista


Pintura de Jackson Pollock


Nesta edição, crônica e entrevista concedida ao folhetim literário Poesiarte.

Crônica: Revelações Literárias
Leio muita coisa por obrigação, pasme. Que raio de escritor é esse que diz ler por obrigação, deve estar pensando o senhor ou a senhora. Calma! Não terminei ainda. Não afirmei que leio apenas por obrigação. Leio obras que gosto com satisfação, leveza e uma embriaguez de quem rompe noites na boemia dos bares do centro do Rio de Janeiro. Cervantes, Maiakovski, Adélia, Leminski, Brecht (este regozija a alma), Poe e Wilde são alguns, clássicos para mim.
Mas apesar de diversos autores me satisfazerem, sou humano. Sim, poetas e escritores são humanos, embora alguns os achem extraterrestres presos neste planeta. E tenho defeitos, inclusive literários. Nem todos os livros que leio descem com prazer. Estes eu leio por obrigação, já que não seria de bom grado um escritor não conhecer algo dos clássicos, os quais acho enfadonhos quando chegamos a um determinado momento e a cabeça já não suporta mais tanta classe que você vai ler uma Hilda Hilst da vida. Entre os que não fui com a cara e engulo a seco porque os ossos do ofício mandam, estão Dante, Petrônio, Shakespeare (nem tudo), Virgílio e outros. Não se pode gostar de tudo. Quem disse que todos gostam do que eu escrevo? E não me venha com essa de que clássico é clássico e eu sou um burro metido a besta. Não sou o único, porquanto não atire os livros em mim provo que tenho meus compares.
Li em algum lugar (esse negócio de ler em revistas está ficando sério) uma entrevista em que Millôr Fernandes disse não ser necessário para ele conhecer tudo de um autor. Bastava-lhe um ou dois pequenos romances e derivados. Veemente, afirmou que Machado era um tanto enfadonho e criticou Bentinho e sua amada. Ora, se o grande mestre pôde revelar o seu lado sado-literário sem ser perseguido pelos órgãos competentes, por que não eu? Neste instante, mais aliviado, posso afirmar que estou no grupo de Millôr e nem todos me agradam, Machado sim.
Ainda possuo outro agravante que pode fazer com que me chamem de inculto, mentiroso e mau leitor nessa história toda: minha memória. Como meu cérebro não é nenhum motor de alta cilindrada, tudo o que leio acaba se perdendo com o tempo e quem conversar comigo sobre os clássicos, até mesmo sobre os modernos e minha própria obra, jamais ouvirá passagens edificantes, pois não as lembro. Que eu seja xingado de incauto, que cause a impressão de jamais ter lido Flaubert (este eu gosto), mas não se atrevam a pedir para eu decorar coisa alguma, isso jamais acontecerá plenamente.
 
Antes que a crítica e os acadêmicos caiam de pau em mim — acho que depois desta crôanica nunca mais vou entrar em academia alguma — diga-me se nunca sentiu uma certa aversão por algum texto? Vai dizer que leu tudo por prazer e jamais ficou cansados de tanto ler Camões? É mentira sua se disser que sim, tudo o que leu na vida foi com gosto e até hoje se lembra das passagens arrebatadoras. Sou um homem comum. Quem disse que escritor deve gostar de tudo e de todos? Não sou um gênio das letras, muito menos um sábio grego (algum deles vou com a cara). Sou como João e Maria, como o padeiro da esquina. E se o padeiro gosta dos romances Bianca, Julia e essas coisas de quinta categoria, não sou eu quem reclamará. 

Não tenho uma explicação para meu desgaste literário. Talvez um trauma adquirido no colegial seja o responsável pela rebeldia, quando as professoras empurravam fábulas de Esopo, as quais adoro e não guardei por culpa da memória. Ou porque preferia pensar na menina que sentava na minha fileira e não estava nem aí para o período Romântico ou Realista. Portanto, que fique claro: gosto de ler, mas vamos com calma. 

Redimo-me agora depois que intensifiquei a compra de livros. Lá em casa cada vez entram mais livros. Fico pobre, mas não sem livros. Minha mulher reclama toda vez que eu entro numa livraria. Fazer o quê? Saio com pelo menos 10 livros. Continuo com aqueles de que gosto, empurrando um de vez em quando. Mas quem disse que escritor tem que gostar de tudo? Ego sum qui sum — pelo menos lembro desta frase, se é que se escreve assim.

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Entrevista concedida ao folhetim Literário Po&siarte de São Paulo

Poesiarte: Na atual sociedade, onde muitos jovens acabam direcionando a atenção para fora da literatura, como você vê o mercado de poesia e livreiro no geral?
AC: Não entendo porque dizem que o brasileiro não lê. O mercado livreiro cresceu 6% em relação ao ano passado. Existem editoras que cresceram absurdos. Você entra em uma livraria e não consegue andar de tanta gente. O que existe é a estigmatização do mercado. Por exemplo, quando dizem que poesia não vende é mais pelo retorno financeiro do que pelo gosto da arte em si. É a marca que as editoras veem para o produto “poesia”. Muitos jovens produzem poesia, mas não lançam poesia. Por sua vez, as editoras não querem arriscar novos autores por acharem perda de capital. Poesia vende muito! Temos aí provas como Carpinejar, Adélia Prado. É um erro dizer que poesia não vende e que brasileiro não lê. O problema é as editoras abrirem a cabeça para analisarem bem os originais e perpetuarem a arte maior. Até o início do século XIX, nossa maior arte era a poesia. Hoje ela ficou em segundo plano, infelizmente; não pelos escritores, mas pelos editores.


Poesiarte
: E o que você acha da nova safra de poetas e escritores, e da aceitação do mercado?

AC:
Acho que se cria muito e
se distribui pouco. Temos excelentes poetas, como Eucanaã Ferraz, Angélica Freitas e seu Rilke Shake, ambos pela 7 Letras se não me engano. O problema é que muitos potenciais são abafados pelo mercado não abrir. Também possuímos os que não são tão bons assim, mas isso é uma outra questão. Como dizia Quintana: “Existem dois tipos de livros: uns que os leitores esgotam, outros que esgotam os leitores”. A poesia brasileira jamais morrerá, ela vestirá sempre uma nova roupagem no decorrer do tempo. Lembro-me da geração do mimeógrafo que lançou Chacau, Cacaso e outros. Hoje não há mais mimeógrafo, mas a poesia continua.

Poesiarte
: Há a Internet, o Blog. Isso ajuda?

AC: A Internet modificou a literatura. Arrisco-me a dizer que poderíamos conceituar um novo movimento literário, talvez o “internético” (risos).
Mas para isso precisamos de distanciamento histórico, coisa que não temos. A Internet abriu portas para pessoas como Clara Averbuck, que publicava seus textos em um pequeno blog e conseguiu ser uma grande escritora contratada. Temos o poeta e romancista Rodrigo de Souza Leão. Até mesmo Saramago já se adaptou ao Blog. Vemos autores se lançarem e alcançarem as tão difíceis editoras através do mundo digital. É globalização. Posso ser lido na Espanha sem fazer muita força. O problema é que você deve se responsabilizar pelo seu marketing e distribuição eletrônica até que consiga seu desejo. Faça barulho e será ouvido. Entretanto, o marketing maior continua sendo o da editora – a compra de espaço – que custa fortunas. Eu mesmo tenho um Blog e preciso estar anunciando constantemente.
Poesiarte: Você já escreveu para vários sites e revistas na Internet. Como é seu produzir poético, mais suor ou inspiração? Existem os que defendem mais o suor do que a inspiração. O que acha?

AC: Há aqueles que defendem a poesia como João Cabral de Melo Neto já explicava: catar feijão. Acredito que possa ser como catar feijão, mas existe uma centelha de inspiração. No meu caso, é mais inspiração. Depois que ela aparece, burilo até a última palavra. Mesmo assim, sempre acho que poderia fazer melhor. Clarice Lispector dizia que nunca relia seus textos, pois sentiria necessidade de mudá-los. Eu sou assim. Entretanto, por mais inspiração, suor e desejos, você precisa cicatrizar o livro. Muitos livros são terminados pelo simples fato de
precisarem ser finalizados. Existem poemas que duram anos para amadurecerem.

Poesiarte:
E o seu primeiro livro, Vidro de Guardados, como traçá-lo?

AC: Vidro de Guardados é um livro em que eu não coloquei linha temporal, nenhum fio condutor. Contudo, os poemas não pertencem ao poeta, têm vida própria. Quando releio o material vejo um fio condutor quase imperceptível de lembranças, sonhos, temores e uma pitada de religiosidade em poemas como
Canção do Tempo. Poderia dizer que é um livro sobre memórias, mas prefiro que cada poema tenha um peso filosófico de vida, separadamente. Não tive a intenção de colocar nele um tema, embora me pareça que o tema forte gira em torno da
memória da vida. São versos soltos que podem se unir em qualquer momento. É a filosofia das coisas simples.
Poesiarte: Você se insere em seus textos?

AC: Não acredito em cronologias. Todo texto tem a essência de seu criador. Brincamos de Deus, porém, nenhuma criatura se voltará ao Pai. Muito de mim compõe cada verso.
 


Poesiarte: Seus poemas são bem simples, porém passam uma filosofia profunda e até fazem os leitores pensarem, como vemos no poema “Telegrama do Oriente”. Essa é a idéia?
AC: O poeta é um pintor de pedras. Pego a realidade ínfima, aquela pequenez da alma, momentos de uma fotografia, e pinto de uma forma bela para que todos possam ver. Não acredito em poemas complexos onde fechamos
o livro logo na segunda página. Desaprendi o rebuscado e me doutorei em sentimentos. Basta-me uma folha seca para um poema. Uma lágrima é bela e não é necessário nada mais para ser entendida.

Poesiarte: Quais autores você lê? E lê muito?

AC: Leio mais do que deveria, menos do que gostaria. Releio sempre os mesmos livros, mas sempre navego para encontrar novidades. Gosto de Quintana, Adélia, Ungaretti, Gary Snyder, Brecht, Bukowski, Maiakovski, Bandeira, Drummond, Gullar, e muitos outros. Dos novos, Angélica Freitas, Heitor Ferraz, Eucanaã Ferraz, Carpinejar etc. Em crônica, gosto dos nossos clá
ssicos, Braga, Raquel de Queiroz, Ponte Preta, Ivo, João Ubaldo, Drummond.
A lista é grande.

Poesiarte:
Para encerrar, um verso próprio.
AC: Os homens sofrem como as pedras/ repletos de musgo verde/ e caras feias.