Todo mundo é um pouco Woody Allen

 Composição de Federico Mauro




Somos potenciais neuróticos. É próprio do nosso ser. Por mais que psicanalistas, psicólogos ou psiquiatras questionem as atitudes, continuaremos a discutir com portas, espelhos, amigos imaginários; a colidir com nossa sanidade frente ao aperto no peito, medo da morte ou futuro encontro amoroso. Quem é normal? Faz bem ser ambivalente. Mostra-nos que estamos vivos. Sem exageros que contundam o coração, é claro.

Todo mundo é um pouco Woody Allen, convenhamos.
Descobri isso com Allen disfarçado de Allan no excelente Sonhos de um sedutor. Possuímos neuroses e apegos em relação ao amor. Como a personagem, nos afundamos em discussões sobre o desespero de morrermos sozinhos. E embora sejamos desajeitados para um romance sério ou casamento, demonstrar nosso temor é uma afronta. O medo do sofrimento é maior que o sucesso da tentativa. Acreditamos no afastamento psicológico, nas invenções que agradam o outro e maquiam a preguiça de sermos nós mesmos, desengonçados e desiludidos.

Em boa parte do filme, Allan dialoga com sua consciência, nada mais nada menos que Humphrey Bogart, astro do cinema norte-americano e galã, misto de psicanalista e espelho de Allen. É através dele que o protagonista foge dessa vida desajeitada, complexa e crua; entra na irrealidade do canonizado pelo pensamento padrão: o homem deve ser um macho alfa se desejar vencer. Humphrey é o bonitão conquistador, concordo, mas fatal quando destrói o homem simples.

Quantos de nós já armamos saídas cômicas
para impressionar alguém? Espalhar discos pela casa, mandar cartas quilométricas, colocar no Facebook mensagens desesperadas, filosofar sem ter a menor ideia do tema, mentir por uma boa causa sobre o que fazemos? Nos aprisionamos em falsas impressões com receio de que as verdadeiras sejam barreiras entre e o fato e o futuro; para que pareçamos pessoas interessantes sem sê-las. Qual o problema de revelarmos uma insônia, uma fixação por trabalho, que enlouquecemos de vez em quando ou que a vida não tem sentido? Por que não dizer que assaltamos a geladeira durante a noite, que adoramos calmantes ou gostamos de funk e, em vez de um MC, aplaudimos um movimento de Bach sem termos a noção da diferença entre um Allegro e um 4/4 na bateria? Ser você mesmo tornaria as coisas menos desgastantes.

E terminamos por cair no mesmo erro de Allan, o apoio do outro para erguer a própria coragem.
Enviamos o amigo do amigo a nosso favor. Se ela disser não o impacto é menor. Se disser sim, bem, como manter a fantasia? A segurança em nosso Bogart pessoal precisa ser depositada na pessoa com quem desejamos compartilhar a vida. Por que fingir ser alguém é tão prazeroso se voltamos ao que somos no final? É como um Mr Hyde moderno, lutando a todo custo com seu duplo, abafando o que nos faz únicos: defeitos e manias que podem ser aceitos.

Sejamos afoitos, nervosos, medrosos,
mas saibamos dosar o Woody que existe em nós. Tomemos banho de perfume barato, mas que fique claro ser proposital pela importância do outro. Não conheço quem não fique encantado com uma atitude transparente ou de saber que você deixou o livro aberto no poema do Neruda perfeito para o momento.

Se
é para sermos Woody Allen, que captemos a essência. A maior lição é enxergar as coisas nesse turbilhão de sensações. De resto é tomar um calmante e aguardar a tempestade cessar.