Poemas




Bíblico 

Dentro de mim
chove há dias
Planícies inteiras
cobertas d´água como
em um gênese tardio
Chove há dias
mas em meu dilúvio não
liberto a pomba
ou procuro terra seca
guardo-a em meu peito
salva-vidas
Há um rumor de penas em meu rosto
um reflexo de vento e sal
É de tempestade e horizontes
que sou feito.


Espinha de peixe 

Não era sempre
que comíamos peixe no almoço
Meu avô cuidadoso
retirava as espinhas para
que não as engolisse
Deixava o aviso:
percebido o sufocamento
comesse pão
Batia com a mão mostrando
como o animal fazia antes de ser morto e acrescentava:
um homem do mar jamais se sufoca em terra firme
Temo essa espinha da memória
osso de outro ser
dentro de mim
escombros marítimos que
contam história de
navios naufragados
Fui obrigado a comer sob
os olhos arregalados do capitão
e seus grossos dedos
Cada espinha um olvidar de ondas
Atracado o navio
hoje engulo todo o mar
propositalmente
Não há mais espaço
para terra firme.


O inverno das mil vozes 
(Poema publicado originalmente na antologia 29 de abril: o verso da violência e na revista da UFRJ, ODARA)

É preciso mais de mil vozes
para se erguer uma voz
que cale os muros
os postes
o cimento
solitário do arranha-céu
O uníssono marcha para
a queda das vigas
para a tristeza das janelas
que olham o futuro
A poeira é limpa pelo fogo dos gritos
pela impressão que o sangue causa
Os cavalos não relincham
olham atônitos
para a força das mãos
e se deixam levar
para a batalha já vencida
A fumaça dá o sinal
que o vento ergue como bandeira:
os supostos gigantes
caíram pela marcha seca
daqueles que sequer possuíam
as intenções de Davi
É preciso mais de mil vozes
para fazer tremer
uma única voz
para torcer um grande alicerce
É preciso mil olhos
para se rasgar a escuridão
e entoar hinos que aprisionem
a liberdade
mais de mil vozes
para que do silêncio
se levante
um horizonte


Engano 

Por cima da mesa
minha avó regava com seus olhos
as flores de plástico
Fizesse sol ou chuva
dormiam intactas na mesma posição
encolhendo a natureza plástica das coisas
Embora minha avó soubesse que as flores
assim como as fotografias
permaneciam novas hipoteticamente
desejava um coração também de plástico
Às visitas
entre o belo espanto das tristes flores
e uma xícara de chá
despertava na voz a certidão:
estão aí para enganar a morte.

                                                                       : : TRADUZIDOS: :

Homenaje a Pixinguinha

Es en el lloro,
en el llorito aguado
de la vitrola antigua,
que mi alma
lava sus olvidos. 


Explicación de la elección
 

Es como un par de zapatos viejos
que usted no quiere quitárselos.
Los otros miran, se extrañan
y usted continúa con ellos por hacer parte
del cuerpo, ablandados por los caminos.
La poesía calza las palabras.



Para David Foster Wallace


Aunque yo diga que
deseara haber nacido el siglo diecinueve
o un poco mas allá
me felicito por haber vivido un
siglo de libertad.
Muchos se suicidaron o fueron
callados por un aire de depresión.
Nací en Brasil lleno de glorias.
Hubiera nacido en otro país
tal vez también me callara.
Pero acá tengo la extraña
mania de acosar esperanzas.