O amor na troca de um cachorro-quente

Pintura de Gustav Klimt


Antigamente o amor era mais simples. Já devo ter dito isto uma penca de vezes, mas é verdade. O amor era muito mais simples do que hoje em dia. As meninas não se interessavam por nada a não ser pelo brilho nos olhos do rapaz. Os rapazes não desejavam apenas uma noite de amor e se esvaírem para nunca mais aparecerem. O negócio era mais eternizado. Os casais se preocupavam com a aparência e com os bons costumes praticados pelos leves amantes. Não havia o horror de ser deixado para trás por ele ou ela por banalidades. Os romances existiam e ninguém ultrapassava o sinal em uma concessão harmoniosa.


Isso era antes, no tempo dos cachorros-quentes, do namoro pisca-pisca e das corridas de submarinos. Eu não estava lá para ver, mas a grande onda dos anos de 1970, por exemplo, era a corrida de submarinos que arrebatava casais cheios de expectativas. Eram fileiras de carrinhos a olharem a agitação do mar enquanto submarinos atravessavam o horizonte madrugada adentro. Coisa fina, simples e de grande intervenção cultural já que as máquinas guardavam os segredos da Segunda Grande Guerra. Alguns não viam nada, óbvio; estavam preocupados com coisas mais importantes que submarinos ou guerras, como beijos ou declarações.

Quando não eram submarinos, a paquera – porque antigamente havia paquera e não essa enrolação de hoje cheia mãos, frases prontas e nervosismo zero – estava no namoro pisca-pisca, que consistia em estacionar um carro atrás do outro e piscar o farol. Uma piscada significava que o carro era feminino, duas masculino. Entre indecisão e nervosismo, a brincadeira acabava em casamento, como muitos podem relatar. Coisa fina, finíssima.

O nervosismo também contava ponto. Quanto mais nervoso o rapaz estivesse, mais interesse demonstrava e mais amado seria. Não era de bom grado ferir os sentimentos da futura esposa (sim, todos pensavam em se casar. Ninguém namorava por um mês ou explorava várias opções). As moças se derretiam pelo nervosismo. Achavam-se importantes. Coisa finíssima mesmo.

O ápice do namoro, que consumava para sempre a união, era a ida à carrocinha de cachorros-quentes. Havia uma em cada esquina ou praia à espera dos amantes. Ele, depois de piscadas e corridas, convidava sua futura mulher para a maior de todas as declarações: a troca de cachorros-quentes. Ela, tonta de paixão, aceitava. E ele só pagaria porque a amava. Chegando lá, era responsável pelo pedido. Mostrava que entendia tudo sobre cachorros-quentes para não fazer feio. Com ketchup, mostarda e bastante amor para ela. Trocavam mordidas inclusive. No cachorro-quente estava a certeza do amor fiel, sem interesses, simples e digno da eternidade. Depois os dois seguiam para a casa, cada um para a sua, e aguardavam ansiosos o próximo cachorro, a próxima piscada ou a nova corrida.

Hoje, não, não interessa mais o nervosismo. Quanto mais nervosas, mais estranhas são para o parceiro. Eles querem ir direto ao ponto. Por que nervosismo? Ela não será a mulher da vida dele mais do que algumas horas. E cachorros-quentes para quê? Coisa inútil, démodé. Melhor que ela pague o seu Big Mac e divida o milk shake.

Ninguém quer trocar cachorro-quente enquanto a praça lota de crianças correndo para lá e para cá. Sequer comentam: – "as nossas farão a mesma coisa né amor?". Estão preocupados em bebericar até o dia seguinte e terminarem no hotel. Se puderem não lembrar de nada, melhor ainda. Ela não sonha com o príncipe, ele não procura princesas. Romances não existem e, quando há, é coisa de velhos.

Eu não acompanhei esse tempo, mas gostaria muito que as coisas fossem como antes. A praça era o melhor ponto, os fuscas os melhores carros, os vestidos a beleza dela e o brilho nos olhos e nervosismo a melhor comprovação de que o amor duraria mais do que apenas alguns minutos. E os cachorros-quentes, tão esquecidos pelos amantes de hoje, trocados por shoppings e grandes salas de cinema 3D, valiam muito mais que qualquer modernidade. Por isso talvez eu goste tanto de cachorro-quente. Enquanto existirem, a eternidade dos romances trunfará na simplicidade dos interesses e nas cartas amassadas de amor. 



DOIS POEMAS INÉDITOS

Exposição de fotografias de 1957


A fotografia na parede branca
(de algum lugar no remoto universo)
com sua casa de pau
com sua charrete velha
com o vazio da urbanidade
       a dar mais vazão para a vida
e uma igrejinha no alto
de um morro preto e branco
emoldura muito mais a felicidade
do que a modernidade das grandes metrópoles.


Poema para a garota apaixonada


Todo amor é ácido.
Por isso, as almas são doces:
para adoçarem a medida
dos amantes.