É no esmalte que a mulher se revela 


Arte de Renoir


É pelas unhas que a mulher mostra a sua alma. Os gestos das mãos representam mais do que os dos cabelos. Longe de ser apenas uma tela tingida, as unhas constituem um ato revolucionário que prolonga e liberta uma voz interior. Nas cores, essa voz define sua música, regida não apenas pela beleza estética, mas também pelo universo de possibilidades de expressão.

Minha mãe foi manicure para furtar o tempo perdido. Entre frascos de esmalte e algodões, buscava aquilo que meu pai espantou com sua macheza grega. Pintava as mãos das vizinhas no intuito de elevar e abolir a antiga condição de sexo frágil, sempre preso à sombra do homem; que ficava na gaiola do sofá aguardando as migalhas da noite. A mulher moderna é diferente, faz da própria sombra o guarda-sol do homem. Possui a segurança nos dedos. Emancipou-se com esmaltes e a acetonas, com uma vida plástica digna de grandes artistas modernos. O esmalte é o sangue seco que revela a atitude única de cada mulher.

A verdade contida nas cutículas é reveladora. As cores, a forma de utilizar as mãos – quase como um maestro que guia uma orquestra de clarins – são cartões de visita, diferente dos homens que gostam de roer desesperos. Eles tendem a utilizar as mãos como armadilha, elas como unção. O esmalte é a redenção capaz de acalmar os maiores pecadores.

O manual para entender essa forma de manifestação não é de fácil acesso. É preciso ser observador atento, marcar na folhinha os dias em que ela repinta seus dedos, quais cores utiliza e a intensidade do trato. Quanto mais cuidado houver, mais instigante e reveladora será. É como juntar um quebra- cabeças com peças infinitas e enigmáticas. A mulher precisa ser recolhida, peça por peça, e agrupada. Aquele que conseguir tal façanha será recompensado.

O dito máximo do velho Bukowski – de que deveríamos duvidar das pessoas que possuem a cozinha limpa – não se aplica para as mãos. Até mesmo roídas, pequenas, possuem o sinal dos dias ensolarados que podem anunciar a chuva.

E de unhas são feitos os gestos que só os envolvidos conseguirão entender. Vermelhas, por exemplo, demonstram uma mulher madura, consciente de si, que chega em casa, joga os sapatos para o alto e manda o marido lavar a louça, ápice do poder feminino. Sedutora. Já os tons escuros como o preto mostram uma feminista sóbria, forte nas atitudes e livre dos conceitos masculinos (até mesmo dos femininos). Dona de suas suposições, defende o seu estado de dominadora. Unhas mais claras, peroladas, são para dias mais leves, apaixonados e românticos. Mostram uma mulher que pensa por si só, mas deseja ser acompanhada no meio-fio. As várias opções mudam como os dias. Para o homem observador é uma mina de ouro.

As que não pintam as unhas, ou deixam que o esmalte falhe, também possuem sua leveza. Na clareza também mora a atitude, uma pose desbravadora, despojada, largada como uma adolescente que sabe tudo, mas finge não saber para ser guiada. Normalmente, a beleza ou simplicidade falam por elas. São mulheres que não necessitam de nenhuma rota para a viagem: possuem nos olhos as mais belas colinas. São doces na medida certa e revolucionárias nos seus anseios.

Se você é um homem observador está em vantagem. No esmalte se encontra a verdadeira opinião feminina. E, se deseja ouvir muito mais, é só escolher juntamente com ela a revolução do dia. Será muito mais dono de si, mais dono do mundo.

É nos passos da mulher que os homens fazem seus caminhos.