D.R.





(Crônica publicada na coluna mensal da Editora Alta Books - blog.altabooks.com.br )


Depois do café, os dois voltam para o quarto do hotel. 15 anos casados. Ele, 40, se joga na cama jovialmente, aparentando bem menos com sua sunga de quando tinha 25. Ela, 39, aparentando 39 mesmo, para na porta, olha para ele e diz que precisa urgentemente de uma D.R., sigla moderna para “discussão de relacionamento” — coisa que só em nosso século entrou em voga já que em outros a mulher era submissa ao homem e sequer levantava a voz. Num primeiro contato para uma D.R., o rei do lar mandava a mulher calar a boca e lhe servir uma boa xícara de chá.

– Benhê, precisa mesmo disso?
– Claro. Não aguento mais!
– O que houve? Não lhe dou tudo?
– Não está certo, você não é mais o mesmo.
– Continuo sendo o seu ursinho de sempre.
– Mas tem alguma coisa que não estava aí antes.
– Quer ir ao shopping? É isso?
– Estou falando sério, Crespício Antônio.
– Credo, Cleidiluci!
– Quer saber? Algo não me agrada e quero a separação.
– Por quê? Eu malho, dou tudo para você, sou bonitão.
– O problema é que você está com essa bundinha aí. Pronto, falei.
– Como assim “bundinha”?
– É, bundinha. Uma bundinha murcha. Não quero mais olhar para ela.
– Você está dizendo que não quer ficar comigo porque eu tenho 40 anos e uma bunda caída, até normal para a minha idade?
– É.
– Por um acaso você já viu a bunda da Angelina Jolie? Pelo que eu sei é bem franzina; nem por isso o Brad Pitt termina o casamento.
– Mas você é homem, precisa ter bunda imponente.
– E existe diferença? Pelo que eu saiba não sou da tribo dos babuínos. Só falta você dizer que preciso de silicone.
– Hoje em dia homens são vaidosos, ora.
– Nem pensar, prefiro a separação! Ninguém vai esfaquear minha bunda.
– Tá vendo? Outro dia mesmo pensei em comprar uma calça para você, mas é difícil. A última então…
– Ficou muito boa.
– Parecia haver um vão entre a calça e o seu corpo, um buraco negro que houvesse sugado tudo.
– Cleidiluce, escuta uma coisa: quem tem bunda grande é a mulher melancia. Eu não preciso de nádegas astronômicas, ninguém nota bunda de homem.
– Eu noto.
– Quer dizer que você olha para a bunda de todo homem e faz comparativos?
– Mais ou menos. Não tem como comparar, sabe? A sua já entrou na fase da uva-passa. E quer saber? Estamos em crise. É comum casais entrarem em crise. Aceite.
– Eu é que deveria entrar em crise sabendo que você observa a bunda alheia, que pensa em dar cabo de um relacionamento de 15 anos por causa da fisiologia.
– Tenho certeza que outra gostará da sua bunda. Para mim ela está passada.
– Mas ninguém entra em crise por causa de uma bunda!
– Olha, se vocês homens querem uma bunda inteira, eu, como mulher, posso exigir do meu marido uma bunda de respeito. E quer mais? Tchau. Vou para a mamãe.
– Eu compro uma carteira maior e coloco no bolso. Vai parecer uma bela bunda e…
– (Porta batendo).

Café. 15 anos de casados. Ele, 40 e sem bunda, pensa em fazer um pequeno corte, nada demais. Quem sabe um enchimento? Ela, 39, na casa da mãe. Bem que ele desconfiou que colocar a sunga de seus 25 anos não era boa ideia. A camareira com sorriso debochado, o garçom olhando atravessado. Poderiam ter salvado o dia. Ninguém tem culpa de uma bunda murcha, não tem mesmo.