Três poemas do livro inédito "As coisas são as coisas"

Arte de Monet




Fim

Terminar em uma velhice trêmula
sem conseguir erguer um copo
ou segurar talheres
Mas os devaneios continuarão firmes
como quando pesávamos vinte anos

Certas aflições não são para esse corpo


Último Testamento

Não deveríamos cultivar coisas para depois.
O desapego é a faxina do corpo.
Algumas palavras não quedam ou se oxidam
duram mais que a própria boca.

Amor Excessivo é Prejudicial à Saúde

Pintura de Chagall
Caros amigos amantes, atenção: o amor excessivo é prejudicial à saúde! Isso é o que deveria ser estampado nas caixas de bombons. Aliás, fixado não só nas caixinhas chocolate, tão valorizadas pelos casais apaixonados; nas de leite, polpa de tomate, aveia, sedex e qualquer outra que possa atingir o público enamorado e futuros amantes também. Não estou dizendo que ninguém poderá mais amar, nada de radicalismos; só que utilizem o amor com moderação. Alô, Alô, Ministério da Saúde, advirta esse novo inimigo moderno.

Foi comprovado que amor em demasia acarreta sérios riscos à saúde de quem ama. O amor libera uma substância ativa que age diretamente no cérebro, e faz com que os amantes tenham mais ânimo, mais força de vontade e mais alegria de viver. Até aí, tudo bem, o mundo é cor de rosa e a psicologia vai bem. Só que existe o lado negro da força. Em contra partida, essa química tem o mesmo efeito de uma droga alucinógena, viciando seus consumidores incautos. Isso explica os diversos amantes que são alcunhados de chicletinhos; que telefonam ininterruptamente, consomem-se em lágrimas e uma saudade imensa como de anos de espera os arrebata quando longe do outro. Se não correspondidos, entram em um clima de ultra-romantismo do século dezenove, proveniente da solidão aguda. Sofrem os efeitos da separação e tornam-se caixas vazias, o que é pior. Essas caixas não possuem nada a não ser recordações tristes.

E os problemas são intermináveis para quem utiliza o amor como vício de vida. Quando um amante percebe o peso do desenlace, sente o mesmo efeito da fome. A necessidade do parceiro para se recompor é inexorável e nada, nada mesmo, fará com que entenda que as coisas, às vezes, devem ser rompidas ou jamais iniciadas.

A lei do amor é universal e comum. Um macho à procura de amor é submisso à fêmea, muitas vezes maior que ele. Nesta regra, o pretendente deve mostrar superioridade fazendo com que a futura parceira se encante com suas particularidades, diferenças e qualidades. Ao final do luar de paixão, o macho é descartado perdendo a própria vida. Assim acontece no reino dos aracnídeos e em todos os outros, como assisti em um documentário no canal National Geographic. Acabamos vítimas de nossos próprios sentimentos e desejos. É o exagero do amor, da necessidade de se amar. É o que a química do amor faz em nosso corpo. Quanto mais viciados, mais admiradores do vício nos tornamos, afinal, um vício como esse é indubitavelmente atraente e muitas vezes necessário.

E engana-se quem pensa que esse consumo de amor é coisa atual. Nossos antepassados também cultuavam esse vício com alguma regularidade (não estava lá para evr). Os homens das cavernas, por exemplo, ficavam tão cheios de amor que atacavam suas pretendentes a porretadas, mantendo-as para sempre ao seu lado.

Se pesquisarmos bem, encontraremos referências até na ficção. Eu mesmo já estudei o caso. Descobri desde novelas até clássicos literários que utilizam o veneno do amor como válvula de enredo. O mais recente foi o caso da novela das seis (que já acabou, pois quando escrevi esta crônica estava no final) propõe – amor excessivo. Lembram-se da Como uma onda, onde J.J, por uma paixão enlouquecida, sequestrou e aprisionou a sua grande amada, Nina, esperando que ela lhe desse um filho, mesmo sabendo do ódio que ela nutria por sua pessoa? Não sou noveleiro, que fique claro, mas este é o clássico sintoma da rejeição e da overdose de amor.

Outros também experimentaram a química fatal. Dom Quixote foi um deles. Ficou tão louco por Dorotéia de Toboso que acabou confundindo moinhos de vento com gigantes. E Bentinho, que depois de lutar tanto para ter Capitu em seus braços, entrou em choque após descobrir sua traição. Todas vítimas fatais do amor, grande vício e, em muitos casos, remédio, que desgraça uns e vivifica muitos. Porém, nenhum efeito se compara ao trágico final do conto A Cartomante, de nosso mestre Machado, onde o amado é tragicamente assassinado por se entregar ao vício da paixão e da traição. Como já dizia Bukowski: o amor é um cão dos diabos.

Apesar de tudo, elas dizem que não estão nem aí, são independentes, donas de seus próprios narizes. Eles confessam não desejarem relacionamentos sérios, apenas diversão à custa de lágrimas. No fundo, todos querem acordar ao lado de alguém que lhes diga o quanto são importantes, o quanto fazem falta, o quanto são belos e necessários. Sempre foi assim, e sempre será assim. Não há o que fazer. Todos almejam traficar este vício que amansa e liberta leões. Por isso, reitero: o amor causa dependência e prejudica não só a saúde de quem ama, mas a de quem se ama.

Coloquem outdoors, anúncios televisivos, radiofônicos, informações nas latas de leite condensado, nos pacotes de macarrão, sal, açúcar, nas garrafas de coca-cola e, sobretudo, nas garrafas de cerveja e bebidas alcoólicas, pois estas abrem portas para novos amores. Informem a todos sobre os males que o amor pode trazer. Uma vez contaminados com a química, jamais apreciarão outra coisa a não ser o repouso do corpo frio nos braços quentes da pessoa amada. E isso eu digo por experiência.

Vencedores da Promoção Copa 2010

Os vencedores da promoção Copa 2010 são:

Jorge Xerxes
Kyanja Lee
Maria João
Betusko
Hugo Capello
Juliana Vermelho
Vitor
Tempodevivermais
Antônio

Todos os descritos acima receberão, via e-mail, um exemplar do e-book "Vidro de Guardados".

Os escolhidos tiveram suas respostas analisadas com base na interação com o texto. Portanto, muitos responderam o inverso do perguntado, mas dentro do contexto.

Parabéns!

Orelhas do livro Poesia Visual

Segue abaixo texto escrito para as orelhas do livro "Poesia Visual".

Poesia Visual – Um Guia para a Inspiração e Criatividade Fotográfica
Editora: Alta Books
Edição:
Autor: Chris Orwig 

Não, este não é mais um livro que versa apenas sobre fotografia e suas técnicas. Sim, existem técnicas, mas que são muito mais que um horizonte de flashes. Ele carrega em si todo o peso de um conceito até então conhecido por muitos como gráfico: a poesia visual.

Quando a poesia visual surgiu pela primeira vez, primava pelo rompimento da ditadura dos textos discursivos e cerrados em páginas com regras, e seguiu ao encontro a um novo olhar: a plástica e a desestruturação do signo linguístico onde a disposição do "quadro" poético pudesse transmitir várias ideias em simples grafismos. Dessa premissa, o sentimento de simplicidade e impulso tornaram-se o foco do escritor e de seus flashes do cotidiano.

Este livro vai além da concepção fotográfica comum e une o conceito vanguardista da poesia visual – e de toda a poesia minimalista – ao conceito do olhar apurado e à técnica fotográfica da precisão. Chris Orwig reflete a síntese dos grandes escritores como Mário Quintana, Oswald de Andrade, e nos mostra aquilo que para muitos pode ser natural, mas para ele é poesia. Tudo isso por meio de uma lente, de um clique, sem signos ou recursos gráficos, apenas a pureza e a transparência de um momento. Essa é a arte de captar a vida e transformá-la em quadros.

Poesia Visual é um livro de fotografias que permite a visão sintética da poesia, onde o pouco se torna muito e o óbvio pode revelar e exteriorizar emoções. Espere encontrar nestas páginas muito mais que simples fotos. Espere se emocionar ou ter a impressão de que a vida é diferente daquilo que você conhece. Elas guardam, além de dicas magistrais de um excelente fotógrafo, o grande mistério da existência, as lembranças, a pura expressão artística aliada a técnica máxima de um poeta das lentes.

No sorriso, na chuva, na natureza, e até mesmo na serenidade de um rosto abatido pelo tempo, a poesia está condensada em todas as imagens. Podemos teorizar sobre cores, composições e técnicas, mas é impossível conceituar a expressão da emoção artística. E essa expressão você encontrará nestas páginas.

Se a poesia também é feita de flashes da vida, Chris Orwig é um poeta nato da fotografia. Não utiliza a tinta nem a pena dos grandes poetas clássicos, mas carrega em si o mais importante, vital, para a poesia: a visão intuitiva, condensada, sintética e sentimental que cede vida aos grandes e belos poemas da humanidade.

Angel Cabeza
Poeta e escritor
Autor de Vidro de Guardados e A Beleza do Feio
PROMOÇÃO COPA 2010 - CONCORRA AO E-BOOK VIDRO DE GUARDADOS



Quer ganhar o livro digital de poemas Vidro de Guardados? Basta ler a crônica abaixo e responder a pergunta: "Qual a síndrome que os jogadores desenvolveram nesta copa?".


Deixe seu e-mail para que o livro seja enviado.


No próximo mês, serão selecionados dez ganhadores que receberão de presente o e-book Vidro de Guardados.

Leiam, comentem e participem.



A CULPA É DA BOLA

Sempre deixo claro quando vou falar de futebol que nada sei sobre futebol, a não ser que é um esporte onde vinte e dois homens correm atrás de uma bola, durante noventa minutos com intervalo entre eles. Entro e saio da sala durante o jogo e tudo continua na mesma. 
Há quem se esgane por um time. Nem mesmo tenho time. Só acompanho os jogos da copa que, como já disse em outra crônica, merece nossa atenção por patriotismo. Para dar uma ideia do problema, não sei sequer a escalação do time do Brasil nessa copa de 2010. Sei que Dunga fez escolhas que não foram lá grandes coisas, isso porque os outros me contaram ou ouvi reclamações por aí. E não sei porque tanta reclamação. Ele deve saber mais do que nós, afinal, já atuou como jogador e trabalha nisso há mais tempo. Somos apenas espectadores intrusos. 

Embora não seja bom em futebol,  sou muito bom em reparar desculpas esfarrapadas.

Dessa vez comprei garrafa do Brasil e tudo para acompanhar os jogos, que desde antes de começarem já anunciavam a preocupação dos times quanto a grande responsabilidade da vitória: as desculpas esfarrapadas dos jogadores. Talvez para se resguardarem de possíveis derrotas, e até mesmo uma desclassificação, mal entramos o mês nos aquecendo e já colocaram defeito... na bola. A culpa de uma possível derrota nessa copa é única e exclusivamente da bola, uma nova bola com design arrojado que embelezou o campo e transformou-se em sina para os jogadores. Até nome tem: Jabulani. 

E eles reclamaram de tudo: da cor, do peso, da circunferência, e de outras coisas mais. A bola é a vilã da copa de 2010. Meio sobrenatural, ela faz coisas que até Dunga duvida. Se leva uma cabeçada em direção ao gol, a bola sobe como foguete. Se recebe um chute de frente, sobe como pipa. Se leva um carrinho ou uma bicicleta, a bola faz um “de-feito” e vai se esparramar na arquibancada com toda a maestria de seu atacante. Pode ser, pode ser.

Jabulani, nome que acho meio esquisito para uma bola, assim como também Vuvuzela, mas que pode colar como nome de recém-nascidos nessa época (Jabulani Oliveira dos Santos ou Vuvuzela Amaral Fernandes), já foi tachada de bola de supermercado, coisa absurda até mesmo para eu que não entendo nada de futebol. As bolas de supermercado são chamadas de "bolas ventania", pelo menos quando eu jogava uma pelada. Bastava um chute para que subisse e desaparecesse no horizonte de tão leve. Uma bola de jornal era mais pesada. Jabulani, não, não pode ser considerada uma bola ventania. Tudo bem que ela se mova sozinha mesmo depois do chute, seguindo na direção que bem entender e não na que o atacante quer. Mas taxá-la de vagabunda, isso nunca. O que me parece é que os goleiros estão com medo dos frangos e começaram a sofrer da síndrome da bola furada. Foram só alguns gols tomados para que começassem a falar em maldição, bola torta e até mesmo espíritos que tomaram a bola. Isso está descartado. Nada de errado com a Jabulani. Errado mesmo são os jogadores, que preferem desculpas esfarrapadas a assumirem que foram mal. Culpar a coitada da bola é fácil; complicado é fazer bonito.

Portanto, não precisam mais chamar um exorcista para tirar da bola os espíritos enclausurados que possam ser responsáveis pela derrota dos times. Basta empenho. Mas como não sei nada sobre futebol, não falarei mais. Pode ser que a bola esteja mesmo incorporada ou um pouco ovalada. Deixemos as suposições para eles. Eu quero mesmo é que a copa termine e voltemos aos dias normais, com o Brasil erguendo a taça, claro.

Letra de Médico e a Reforma

Antes da crônica, deixo-lhes o link da entrevista que concedi ao jornalista Duanne Ribeiro, da revista Capitu. Lá, vocês poderão ler também uma crítica ao meu livro de poemas Vidro de Guardados. http://bit.ly/apxeCz

Também deixo o link dos meus poemas em espanhol na revista espanhola Verso Destierro. Caso queiram, passem por lá. http://lobypoetico.blogspot.com/2010/03/seleccion-poetica-de-angel-cabeza.html ou www.versodestierro.com

Boa crônica.




Muitos ficarão com raiva depois desta crônica. Acredito que já nutram por mim uma certa aversão, inclusive, quando mudo o tom da voz e começo a dar pitaco na vida alheia. Outros simpatizarão com o comentário, despretensioso diga-se antes. Seja qual for a parcela de apoio não importa, abro e não nego. Sou desses que mostram o descontentamento e assumem riscos. E, além do mais, estava entalado na garganta faz vinte crônicas. Portanto, deixem para lá, encarem como um novo palpite e sigam a vida normalmente (ou com a pulga atrás da orelha).

Cansei das várias reformas que fomos obrigados a engolir durante os séculos, aplicadas ou utópicas. Salarial, agrária, educacional, religiosa, e demais que não passam de conversa e fazem com que o atual segundo grau seja um trem fantasma para os que passam por ele. Fosse somente ouvir, estaria feliz e satisfeito – tudo apenas no passado, que não perturba, aporrinha um pouco talvez, mas no passado. Só que a nossa civilização tem a mania de reciclar tudo aquilo que está ultrapassado; dar uma cara nova para um velho conceito (essas ongs estão fazendo algumas cabeças). E quando se trata de antiguidade, nada mais sadio do que uma recauchutada, inclusive… na língua.

Sou de um tempo em que “vôo” possuía o chapeuzinho do vovô, que agora ficou careca de vez; descendente de um século em que letreiro de farmácia era grafado com PH, Pharmácia, o que proporcionava à palavra um brio a mais, uma beleza de moldes gregos quando líamos aquele PH enorme fazendo o papel do F, seu filho. Agora entramos na geração das coisas saudáveis e recicláveis: alimentação balanceada, yôga, meditação, e a tentativa de salvar o planeta reciclando papel, cartão, plástico, consciência e… a escrita, que um dia foi belamente grafada com PH, deu origem ao F e arrancou a peruca de voo.

Não fiquei satisfeito com a reforma ortográfica. Não precisavam, novamente, meter a colher para remexer a salada. Para quem não lembra ou sequer tem noção, explico. Nossa língua sofreu diversas mutações para chegar ao que utilizamos atualmente. O primeiro texto em português era uma mistura de espanhol, português-mais-estranho-que-o-de-hoje e latim, segundo consta em alguns estudos e circula na internet. Depois, para facilitar o aprendizado, mudou-se tudo. Conseguimos uma comunicação impecável, formal, (mesmo nossa língua derivando do Latim pronunciado erroneamente). Todos praticamente intelectuais utilizando a língua mais complicada do mundo. Mais tarde entraram na jogada algumas gírias, neologismos e americanismos para ajudarem o time. Por fim, incluíram informalismos, elipses, palavras advindas da era do computador e, agora, suprimiram e mudaram alguns aspectos para reforçar ainda mais a salada. Certo, são pequenas alterações, nada de mais. Alguns acentos, hifens, tônicas, chapéus, coisas pequenas. Para um garotão isso não faz a menor diferença. E para o cara aqui, que sequer sabe profundamente a velha gramática, quanto mais a nova, como fica? Não lembro quando terminei meu colegial, quem dirá se os ditongos abertos perderam seus acentos (perderam) ou se as palavras K, W e Y passeiam pelo nosso alfabeto formando nomes exóticos como Klemylson, Klemonyldo ou Kletsowaldo – se alguém com prefixo Kle estiver lendo, minhas sinceras desculpas. Toda vez que for redigir alguma coisa, além do dicionário de sinônimos, do Houaiss e do Aurélio, portarei uma cartilha com os novos remendos ortográficos. Muito cansativo.

Entenderia se quisessem se desfazer da crase. Ela é uma das coisas que detesto na língua e só serve para gerar confusão, como a própria raiz etimológica já descreve: crase vem do grego e significa fusão (coloquem o “con” na frente). É somente para fundir a cabeça do sujeito. Tanto faz escrever “Vou à Bolívia” ou “Vou a São Paulo”. Estarei lá da mesma forma e todos saberão disso, com crase ou não.

Acredito que existam coisas mais importantes para serem recicladas, como, por exemplo, a caligrafia. Uma reforma caligráfica cairia muita bem aqui no Brasil. Não que eu esteja criticando a letra dos meus companheiros, pois tenho uns garranchos que só Deus sabe. Refiro-me àqueles (olha a crase) malditos receituários médicos que só fazem com que os doentes fiquem mais doentes ainda de tanta raiva pela tentativa de lê-los. É necessário um curso de egiptologia ou outro qualquer para decifrarmos os hieróglifos medicinais. Cada um que dá medo. O sujeito está acabado, vai ao médico, pega a receita e fica, juntamente com o cara do balcão, tentando decifrar se o remédio é ou não o nome do paciente e se a data é a referência da posologia ou a assinatura do médico. Se juntar tudo com a reforma, acabou-se, o doente bate as botas. Deveria ser proibido receituário em que rabiscos de crianças de dois anos fossem a última esperança dos enfermos. No fim das contas todos acabam comprando os remédios errados por culpa deles.
Como sei que meu pedido passará despercebido, e ainda por cima arrancarão meu couro e proibirão minha entrada em qualquer academia, continuo escrevendo da forma antiga, não com PH, mas com os acentos, pontos, chapéus e tudo o mais que as palavras têm direito.

Espero também que meu médico não se zangue, mas é a pura verdade. Se quiser, tenho uns caderninhos de caligrafia em casa, bonitinhos, com peixinhos e carneirinhos. Pelo menos adiantaria para alguma coisa, pois a reforma ortográfica nada fez, só complicou e me deixou estressado. E preciso de uma receita para calmante sem necessidade de fazer um curso de egiptologia ou algo parecido.

É a crise


— Como foi a entrevista?
— Nada boa. Mas consegui algo que vai me deixar rico, olhe.
— Anúncio de vidente? Vai entrar para o ramo?
— Fui até a madame Águia Branca e minha sorte vai mudar.
— Pelo visto a minha também. Cadê o dinheiro que emprestei?
— Tive que pagar a vidente. Mas não se preocupe, vai receber em dobro. Olhe essa lista.
— Lista?
— Para o despacho da meia-noite, na sexta.
— Era só o que faltava, trocar emprego por despacho!
— A madame foi enfática, preciso arriar a obrigação numa encruzilhada. E para que trabalhar quando se tem dinheiro?
— E você acreditou?
— Preciso de uma ajudinha espiritual. Vamos?
— Para…?
— O despacho, ora. Preciso de ajuda na encruzilhada e um pequeno patrocínio.
— Só para lembrar, quem vai ficar rico aqui é você.
— Divido o que o santo der, meio a meio.
— Vamos ver. Fubá, feijão, arroz, azeite, óleo, farinha, frango, manteiga, alface, Red Label. Santo precisa de Red Label? Não basta uma cachacinha?
— Sei lá, foi a dona quem disse. Deve ser um santo requintado. É só entregar para ele e aguardar a nova vida.
— Como?
— Ele é santo e tem seus meios. Se eu soubesse, virava santo.
— E esse saco aí?
— São as coisas.
— Não precisava de ajuda financeira?
— Pendurei na sua conta, lá na vendinha. Meia noite?
— Escute uma coisa…
— Não se atrase. Eles não gostam de furos.
Meia-noite.

— Deixe-me ver os materiais. O que é isso?
— A obrigação do santo. Espero que goste.
— Não tem frango aí, só osso com pele por cima.
— Você queria que fizesse despacho de estômago vazio? Não tenho emprego.
— A madame disse isso?
— Não, mas…
— E essa farinha seca?
— A manteiga está muito cara. Além do mais, farinha é farofa sem gosto e santo não tem papilas gustativas. Acende as velas.
— Cotoco já é demais! Acredita mesmo que vai ficar rico sendo mão de vaca?
— A vidente não erra.
— Ela sabe que você comeu o frango, não fez a farofa e roubou as velas da igreja?
— .
— A garrafa está vazia!
— Queria que me entalasse?
— Acho que o santo vai mandar um boleto de cobrança.
— Ele não bebe e virou santo por isso, por perdoar as falhas. É só simbolismo.
— Vamos embora.
— Ih, esqueci o mais importante, o caldo de galinha.
— Não tem vergonha de enganar o santo?
— Mas cortaram a água e está tudo pela hora da morte. É só esfarelar por cima para dar um gostinho, nem vai perceber.
Um mês depois.

— Rico?
— Que nada. Empresta algum?
— E aquele último do mês passado, o santo?
— Tive que voltar na Águia Branca. Acho que aquele caldo não era cem por cento de galinha, não deu certo. Mas o próximo, ah, vai. Sexta-feira, combinado?
— Tenho cara de santo?
— Ah, empresta algum. Você também vai ficar rico.
— Eu?
— Meio a meio. E ela disse que se você ajudar…

Diversos - Crônica, poemas e entrevista


Pintura de Jackson Pollock


Nesta edição, crônica e entrevista concedida ao folhetim literário Poesiarte.

Crônica: Revelações Literárias
Leio muita coisa por obrigação, pasme. Que raio de escritor é esse que diz ler por obrigação, deve estar pensando o senhor ou a senhora. Calma! Não terminei ainda. Não afirmei que leio apenas por obrigação. Leio obras que gosto com satisfação, leveza e uma embriaguez de quem rompe noites na boemia dos bares do centro do Rio de Janeiro. Cervantes, Maiakovski, Adélia, Leminski, Brecht (este regozija a alma), Poe e Wilde são alguns, clássicos para mim.
Mas apesar de diversos autores me satisfazerem, sou humano. Sim, poetas e escritores são humanos, embora alguns os achem extraterrestres presos neste planeta. E tenho defeitos, inclusive literários. Nem todos os livros que leio descem com prazer. Estes eu leio por obrigação, já que não seria de bom grado um escritor não conhecer algo dos clássicos, os quais acho enfadonhos quando chegamos a um determinado momento e a cabeça já não suporta mais tanta classe que você vai ler uma Hilda Hilst da vida. Entre os que não fui com a cara e engulo a seco porque os ossos do ofício mandam, estão Dante, Petrônio, Shakespeare (nem tudo), Virgílio e outros. Não se pode gostar de tudo. Quem disse que todos gostam do que eu escrevo? E não me venha com essa de que clássico é clássico e eu sou um burro metido a besta. Não sou o único, porquanto não atire os livros em mim provo que tenho meus compares.
Li em algum lugar (esse negócio de ler em revistas está ficando sério) uma entrevista em que Millôr Fernandes disse não ser necessário para ele conhecer tudo de um autor. Bastava-lhe um ou dois pequenos romances e derivados. Veemente, afirmou que Machado era um tanto enfadonho e criticou Bentinho e sua amada. Ora, se o grande mestre pôde revelar o seu lado sado-literário sem ser perseguido pelos órgãos competentes, por que não eu? Neste instante, mais aliviado, posso afirmar que estou no grupo de Millôr e nem todos me agradam, Machado sim.
Ainda possuo outro agravante que pode fazer com que me chamem de inculto, mentiroso e mau leitor nessa história toda: minha memória. Como meu cérebro não é nenhum motor de alta cilindrada, tudo o que leio acaba se perdendo com o tempo e quem conversar comigo sobre os clássicos, até mesmo sobre os modernos e minha própria obra, jamais ouvirá passagens edificantes, pois não as lembro. Que eu seja xingado de incauto, que cause a impressão de jamais ter lido Flaubert (este eu gosto), mas não se atrevam a pedir para eu decorar coisa alguma, isso jamais acontecerá plenamente.
 
Antes que a crítica e os acadêmicos caiam de pau em mim — acho que depois desta crôanica nunca mais vou entrar em academia alguma — diga-me se nunca sentiu uma certa aversão por algum texto? Vai dizer que leu tudo por prazer e jamais ficou cansados de tanto ler Camões? É mentira sua se disser que sim, tudo o que leu na vida foi com gosto e até hoje se lembra das passagens arrebatadoras. Sou um homem comum. Quem disse que escritor deve gostar de tudo e de todos? Não sou um gênio das letras, muito menos um sábio grego (algum deles vou com a cara). Sou como João e Maria, como o padeiro da esquina. E se o padeiro gosta dos romances Bianca, Julia e essas coisas de quinta categoria, não sou eu quem reclamará. 

Não tenho uma explicação para meu desgaste literário. Talvez um trauma adquirido no colegial seja o responsável pela rebeldia, quando as professoras empurravam fábulas de Esopo, as quais adoro e não guardei por culpa da memória. Ou porque preferia pensar na menina que sentava na minha fileira e não estava nem aí para o período Romântico ou Realista. Portanto, que fique claro: gosto de ler, mas vamos com calma. 

Redimo-me agora depois que intensifiquei a compra de livros. Lá em casa cada vez entram mais livros. Fico pobre, mas não sem livros. Minha mulher reclama toda vez que eu entro numa livraria. Fazer o quê? Saio com pelo menos 10 livros. Continuo com aqueles de que gosto, empurrando um de vez em quando. Mas quem disse que escritor tem que gostar de tudo? Ego sum qui sum — pelo menos lembro desta frase, se é que se escreve assim.

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Entrevista concedida ao folhetim Literário Po&siarte de São Paulo

Poesiarte: Na atual sociedade, onde muitos jovens acabam direcionando a atenção para fora da literatura, como você vê o mercado de poesia e livreiro no geral?
AC: Não entendo porque dizem que o brasileiro não lê. O mercado livreiro cresceu 6% em relação ao ano passado. Existem editoras que cresceram absurdos. Você entra em uma livraria e não consegue andar de tanta gente. O que existe é a estigmatização do mercado. Por exemplo, quando dizem que poesia não vende é mais pelo retorno financeiro do que pelo gosto da arte em si. É a marca que as editoras veem para o produto “poesia”. Muitos jovens produzem poesia, mas não lançam poesia. Por sua vez, as editoras não querem arriscar novos autores por acharem perda de capital. Poesia vende muito! Temos aí provas como Carpinejar, Adélia Prado. É um erro dizer que poesia não vende e que brasileiro não lê. O problema é as editoras abrirem a cabeça para analisarem bem os originais e perpetuarem a arte maior. Até o início do século XIX, nossa maior arte era a poesia. Hoje ela ficou em segundo plano, infelizmente; não pelos escritores, mas pelos editores.


Poesiarte
: E o que você acha da nova safra de poetas e escritores, e da aceitação do mercado?

AC:
Acho que se cria muito e
se distribui pouco. Temos excelentes poetas, como Eucanaã Ferraz, Angélica Freitas e seu Rilke Shake, ambos pela 7 Letras se não me engano. O problema é que muitos potenciais são abafados pelo mercado não abrir. Também possuímos os que não são tão bons assim, mas isso é uma outra questão. Como dizia Quintana: “Existem dois tipos de livros: uns que os leitores esgotam, outros que esgotam os leitores”. A poesia brasileira jamais morrerá, ela vestirá sempre uma nova roupagem no decorrer do tempo. Lembro-me da geração do mimeógrafo que lançou Chacau, Cacaso e outros. Hoje não há mais mimeógrafo, mas a poesia continua.

Poesiarte
: Há a Internet, o Blog. Isso ajuda?

AC: A Internet modificou a literatura. Arrisco-me a dizer que poderíamos conceituar um novo movimento literário, talvez o “internético” (risos).
Mas para isso precisamos de distanciamento histórico, coisa que não temos. A Internet abriu portas para pessoas como Clara Averbuck, que publicava seus textos em um pequeno blog e conseguiu ser uma grande escritora contratada. Temos o poeta e romancista Rodrigo de Souza Leão. Até mesmo Saramago já se adaptou ao Blog. Vemos autores se lançarem e alcançarem as tão difíceis editoras através do mundo digital. É globalização. Posso ser lido na Espanha sem fazer muita força. O problema é que você deve se responsabilizar pelo seu marketing e distribuição eletrônica até que consiga seu desejo. Faça barulho e será ouvido. Entretanto, o marketing maior continua sendo o da editora – a compra de espaço – que custa fortunas. Eu mesmo tenho um Blog e preciso estar anunciando constantemente.
Poesiarte: Você já escreveu para vários sites e revistas na Internet. Como é seu produzir poético, mais suor ou inspiração? Existem os que defendem mais o suor do que a inspiração. O que acha?

AC: Há aqueles que defendem a poesia como João Cabral de Melo Neto já explicava: catar feijão. Acredito que possa ser como catar feijão, mas existe uma centelha de inspiração. No meu caso, é mais inspiração. Depois que ela aparece, burilo até a última palavra. Mesmo assim, sempre acho que poderia fazer melhor. Clarice Lispector dizia que nunca relia seus textos, pois sentiria necessidade de mudá-los. Eu sou assim. Entretanto, por mais inspiração, suor e desejos, você precisa cicatrizar o livro. Muitos livros são terminados pelo simples fato de
precisarem ser finalizados. Existem poemas que duram anos para amadurecerem.

Poesiarte:
E o seu primeiro livro, Vidro de Guardados, como traçá-lo?

AC: Vidro de Guardados é um livro em que eu não coloquei linha temporal, nenhum fio condutor. Contudo, os poemas não pertencem ao poeta, têm vida própria. Quando releio o material vejo um fio condutor quase imperceptível de lembranças, sonhos, temores e uma pitada de religiosidade em poemas como
Canção do Tempo. Poderia dizer que é um livro sobre memórias, mas prefiro que cada poema tenha um peso filosófico de vida, separadamente. Não tive a intenção de colocar nele um tema, embora me pareça que o tema forte gira em torno da
memória da vida. São versos soltos que podem se unir em qualquer momento. É a filosofia das coisas simples.
Poesiarte: Você se insere em seus textos?

AC: Não acredito em cronologias. Todo texto tem a essência de seu criador. Brincamos de Deus, porém, nenhuma criatura se voltará ao Pai. Muito de mim compõe cada verso.
 


Poesiarte: Seus poemas são bem simples, porém passam uma filosofia profunda e até fazem os leitores pensarem, como vemos no poema “Telegrama do Oriente”. Essa é a idéia?
AC: O poeta é um pintor de pedras. Pego a realidade ínfima, aquela pequenez da alma, momentos de uma fotografia, e pinto de uma forma bela para que todos possam ver. Não acredito em poemas complexos onde fechamos
o livro logo na segunda página. Desaprendi o rebuscado e me doutorei em sentimentos. Basta-me uma folha seca para um poema. Uma lágrima é bela e não é necessário nada mais para ser entendida.

Poesiarte: Quais autores você lê? E lê muito?

AC: Leio mais do que deveria, menos do que gostaria. Releio sempre os mesmos livros, mas sempre navego para encontrar novidades. Gosto de Quintana, Adélia, Ungaretti, Gary Snyder, Brecht, Bukowski, Maiakovski, Bandeira, Drummond, Gullar, e muitos outros. Dos novos, Angélica Freitas, Heitor Ferraz, Eucanaã Ferraz, Carpinejar etc. Em crônica, gosto dos nossos clá
ssicos, Braga, Raquel de Queiroz, Ponte Preta, Ivo, João Ubaldo, Drummond.
A lista é grande.

Poesiarte:
Para encerrar, um verso próprio.
AC: Os homens sofrem como as pedras/ repletos de musgo verde/ e caras feias.

Feminilidade Masculina


– O que é isso meu camarada?
– Uma revista.
– De fofoca?
– É.
– Nem playboy?
– Muito cara. E tem mais anúncio que mulher.
– Meio estranho.
– É para minha mulher.
– Ah, conta outra. E essa novela aí?
– A revista tem várias coisas.
– Até cortes que emagrecem?
– E daí? Minha esposa precisa perder uns quilinhos mesmo.
– Espera aí... isso dobrado marcado é o horóscopo?
– Sim.
– Não tem vergonha?
– Mas não é para mim.
– E porque marcou a matéria com esse ator aí?
– Bem, é que, que...
– Está vendo? Onde você estava com a cabeça quando comprou isso? Coisa de macho que não é. Andar com essa revista de fofocas debaixo do... espera... o que é isso?
– O final da novela.
– Humm! Deixe-me ler essa parte, rapidinho?
– Mas novela não é coisa de mulher?
– Continua sendo, mas é para a minha esposa, sabe.
– Pede para ela ver na televisão.
– Não dá, ela prefere o final primeiro. E sobre o horóscopo de hoje, o que tem aí?
– O que tem o quê?
– O que diz para gêmeos?
– Sua esposa não é canceriana?
– É, mas quero lhe dizer como estarei hoje.
– Quer a receita do bolo também?
– De qual sabor? Se não engordar, claro.
– Depois fala de mim.
– Claro que falo. O que vão pensar de você lendo fofoca?
– E você faz o que, camarada?
– Um pouco de cultura inútil, mas para a minha esposa.