Pintura de Picasso
É engraçado como os
leitores de crônicas podem ser sugestivos com suas palavras. Se
pensarmos bem, leitores de crônicas são mais cronistas que os
próprios escritores. Eles pegam o texto, desmembram-no, fazem uma
crítica e reconstroem tudo como um novo texto, fresquinho, com gosto
de notícia atual.
Só que aí vem o
cronista, fofoqueiro de plantão, e abocanha aquele pedaço de
pensamento, ilusão que não é sua e passa a servir como mote para
um novo texto sem que seu real dono saiba sequer que aquelas linhas
saíram de algo que ele proclamou como verdadeiro.
Pois é assim,
roubando, no bom sentido da palavra, que começo esta crônica,
advinda de um comentário feliz que tive o prazer de ler.
Ele, o verdadeiro
cronista, é um amigo de letras há tempos. Sempre florido com seus
comentários sobre meus textos, gracioso por não refutar minhas
ideias, serve agora de impulso, tudo por um pequeno comentário que,
na verdade, é de um terceiro, ou melhor, do grande músico João
Bosco.
Que me desculpe esse
meu amigo, mas roubo-lhe descaradamente a ideia pomposa de sua
recordação e comentário:
"custei
a compreender que fantasia é um troço que o cara tira no carnaval e
usa nos outros dias, por toda a vida”.
Carnaval à parte, pois
não sou muito festeiro, o que meu amigo e o grande músico comentam
é justamente o que impulsiona nossa vida. Para quem não entendeu
fica a explicação: no carnaval podemos ser realmente quem somos. O
resto do ano passamos fingindo ser algo para que o sistema nos aceite
e possamos andar por aí sem sermos notado.
Pensando assim posso
entender o porquê de muitas pessoas andarem descontentes
ultimamente. Há um grande descontentamento pairando sobre muitos,
não? O salário não está bom, o estudo vai mal, o amor é um
grande problema, as greves, as escolas, a vida. E eles aguardam todos
os anos a chegada do carnaval para tirarem essa fantasia de homem em
progresso e serem realmente quem são, ou seja, leves.
Somos felizes por
natureza, mas a posição e o status social que buscamos pede-nos uma
seriedade muito maior do que a suportada. Somos fanfarrões,
brincalhões, foliões por essência. Não gostamos da tristeza, mas
somos obrigados a engoli-la para posarmos para a foto. Sendo assim,
nada melhor do que comprar máscaras para viver essa vida irreal que
temos.
Não estou sendo
radical: vivemos uma vida irreal, sim. Quantos de nós seguram o riso
perante uma coisa engraçada para não mostrar falta de seriedade?
Quantos de nós se agarram a conceitos com medo de sermos nós mesmos
e levarmos um tapa da vida? Quantos de nós desistiram de um amor com
medo do ridículo? Por que não somos como as crianças e deixamos
tudo para lá numa brincadeira eterna? Porque somos obrigados a levar
uma vida onde sonhos não se encaixam.
O cara do balcão, com
gravata e terno, é muito mais engraçado do que pensamos. O
professor é muito menos sábio do que parece, e isso é justamente
toda a sabedoria do mundo: não ser excepcional. Somos essencialmente
alegres, mas escondemos isso pois achamos que felicidade excessiva é
prejudicial para a vida.
Aí esperamos o
carnaval, dia em que tiramos tudo do corpo e vamos com a alma para a
pista. Dançamos até o outro dia, inflamo-nos com amizades e
esquecemos nossas máscaras frias em casa. Beijamos o outro,
praticamos o amor, pulamos até dizer chega como se o carnaval fosse
um motim, uma rebelião. E realmente é. O carnaval é a rebelião
que tentamos conter mas precisa ser libertada. O problema é que não
podemos viver num eterno carnaval. E se, por um acaso, o vivêssemos
internamente?
Depois os dias comuns
voltam e nos embolamos com guarda-chuvas, ônibus e cenas. Vivemos o
teatro nosso de cada dia e pensamos, dormimos, acordamos como se nada
houvesse acontecido.
E os cronistas,
fofoqueiros eternos, espreitam todos os dias esses pequenos homens
felizes a espera de lhes roubar alguma felicidade para que ela entre
no texto e ele seja um pouco mais leve como de costume.
26 comentários:
Sua crônica me lembrou uma frase de Ernest Hemingway: A felicidade em pessoas inteligentes é das coisas mais raras que conheço.
Nunca discordei tanto de alguém quanto ao ler essa frase... Ou, na pior das hipóteses, nunca desejei tanto ser burra, qto qdo a li...
Excelente texto!
É concordo com a moça acima, excelente visão sobre nossa felicidade. E não é que somos assim mesmo?
Agora, se eu fosse esse amigo não ficaria chateado, seria uma dádiva ter uma representação literária...
PArabéns por saber observar o simples e transformá-lo em algo absorvível.
O que acho importante na crônica é a sinestesia, o registro de sensações por palavras, fonética e expressões cotidianas - uma construção. Não acho legal textos pretensos à cronica que se perdem em substantivos abstratos, com dissertações longuíssimas. Tem de ter substância, vida. É como vejo crônica. Abç Angel, vou seguir seu blog.
Bom-dia.
Não só das alegrias vivem os cronistas. Aprendi que a crônica, mesmo as mais humoradas, têm um quê de melancólicas. É da alma do cronista, não tem jeito.
Gosto de ler você. Escreve bem, não me dá vontade de 'clicar no xis', quero ir até o fim e ver como se desenrolam suas ideias.
Raros são os cronistas de verdade hoje em dia. Muitos se dizem cronistas e o que fazem é produzir textos de pretensa autoajuda. E, confesso, com mais de 20 anos nesta lida, não tenho muita paciência...
Quanto ao texto em questão, falar de fantasias e máscaras costuma dar muito pano pra manga. Já escrevi sobre isso também.
Quando tiver um tempinho, faz uma visita: http://www.giovanadamaceno.com/2011/03/armadura-nossa-de-cada-dia.html
Estou sempre por aqui, mesmo quando não me convida.
Abração!
A melancolia é a marca de quem n~~ao se conforma, me identifico com o teu texto, mas acredito que pessoas precisam de máscaras, faz parte da vida, não dá para ser super sincera sempre. Há de se inventar a alegria no dia a dia e de vivê-la apesar das contradições.
Viver e sentir é o que importa.
abraço,
Como tudo passa por transformações com o tempo,assim também é a nossa linguagem escrita que hoje em termos de crônica faz bem quem sabe usar as palavras,exprimir o próprio pensamento ou parafraseando o de outro de modo claro e objetivo,evitando ao máximo possível a prolixidade,e quando necessário fazer referências também.Tenho visto muita coisa na rede passando por autor desconhecído quando na realidade tem autor!
Abraços,grata pelo email divulgando o post!
Camilo, eu tento ao máximo retirar da crônica o excesso de intelectualismo e aplicar apenas o cotidiano e a experiência, até mesmo a mais banal (o melhor é o banal dito de outra forma). Gosto que ela seja uma conversa, como se eu estivesse com meus amigos, neste caso os leitores.
Algumas crônicas de Borges, ou até mesmo autores nacionais como Drummond, são quase acadêmicas (você não acha?), o que não significa que não sejam ótimas.
Abraços poéticos.
Giovana, ficou agradecido pelas palavras. 20 anos é muita coisa, ou seja, comentário experiente.
A única coisa que lhe permito é clicar no botão +1.
Terei prazer em ler teus textos.
Abraços.
Luciane, é preciso inventar algo para seguirmos em frente.
Mas não o tempo todo...
Abraços.
Bergilde, a única coisa que copio é o que ainda não fui, ou seja, o meu próximo passo individual.
As coisas são rasas.
Obrigado por comentar.
Abraços.
Taís, sabe o motivo? Porque os que pensam sofrem por não se alienarem e enxergarem um mundo onde nada podem fazer a não ser olhar as coisas e desejar que fossem diferentes.
Parece que a alienação é menos prejudicial que o pensar: não faz sofrer tanto, embora saibamos que o cunsumo exagerado é uma forma de sofrimento.
Abraços e obrigado.
Gostei demais de seu blog! Foi um privilégio receber seu e-mail sugerindo-me fazer-lhe uma visita. Aqui minha alma deslumbrou-se e descansou.
Abraço amigo,
Maria Luiza
Muito coerente a metáfora "terceirizada" que você postou. Retiramos por 3 dias nossas máscaras no carnaval e nos entregamos à liberdade sem culpas ou remorsos, pois é carnaval. E tudo é aceito.
Gostei do seu texto de hoje. Parabéns.
Silvana
Maria, fico muito feliz de tê-lo apreciado. Seu descanso é o descanso das palavras.
Abraços.
Silvana, o pior é que precisamos delas. Como seria se não a tivéssemos?
Obrigado.
Silvana, o pior é que precisamos delas. Como seria se não a tivéssemos?
Obrigado.
Uma beleza. Mas eu prefiro as máscaras, nos fazem sofrer menos, ou pelo menos sofrer escondido.
Belo texto, poeta. Mande-nos mais!
Tibério S.
eu uso sempre máscaras, não quero saber. Carnaval é ótimo e uso outras máscaras, mas todos acham que não.
Acho que apenas trocamosd e máscaras e nunca as tiramos. Ou talvez só retiramos para nossos queridos amores quando estes também tiram as suas.
Bela crônica, belo roubo, grande poeta das palavras.
Oi, Angel. Eu, antes de elogiar a crônica, já aviso que ela me forneceu um "gancho" para falar sobre essa tal felicidade em outra crônica. hehehe.
Abraços, meu amigo! E agora eu elogio esta sua sensibilidade e sutileza com o cotidiano da nossa loucura diária. Paz e bem.
È, Angel, somos um povo que brinda a vida com mentira. Mas fazer o que quê? A vida é uma mentira.
Sua peculiaridade é notória. Fácil achá-lo em meeio há muitos.
Passarei mais vezes.
Parabéns por esse dom de sensibilidade.
Sem palavras. Excelente!
VOLTA PRA MÚSICA, ANGEL!
Angel, desejo a ti, teus familiares e todos os visitantes do teu blog um Feliz Natal. Aproveito para informar que dia 02 de janeiro estreia Urbanascidades 2012, igual mas...diferente.
Paulo Bettanin.
2012 oportunidades
de teres o que precisas
e seres o que mereces,
dentro e fora da blogosfera
para ti e quem conheces.
É o que deseja, Barbaridades,
torcendo por ti nesta nova Era
De uma forma amiga e sincera
o teu colega do Urbanascidades.
Angel,
deixei uma mensagem de amizade e de Ano Novo dedicada aos meus amigos, lá no blog. Espero por você!
Um Feliz 2012 amigo!
Muita paz sempre!
Beijo,
Gislene.
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